quarta-feira, 4 de novembro de 2015

SEGUE O SECO SEM SECAR


 Ele a esperava no portão. Estava de banho recém-tomado, sem camisa e com uma bermuda que ela ainda não conhecia. A novidade não estava só na bermuda, mas também no semblante. Como dizem os mais velhos, a gente pode mesmo viver com alguém por anos a fio e, mesmo assim, não a conheceremos por inteiro. 

Dessa vez ela notou também a barba (detalhe que sempre demorava a perceber), talvez porque lá no fundo sabia que não haveria outra oportunidade.
Apesar das faces cizudas, ela tinha o sentimento de gratidão e ele, a sensação de que havia esgotado as tentativas. Devolveram um ao outro alguns pertences e eles, que outrara falavam pelos cotovelos, tiveram o último e atípico diálogo:
- Obrigado, ele disse.
- Imagina, respondeu ela.

E foi assim o derradeiro contato de almas que se cruzaram com o simples propósito de amar.

P.S.: "Quem não sabe o que quer, perde o que tem."

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

REDUZINDO A MARCHA


É véspera de feriado e tem festa mais tarde. Dez anos atrás estaria escolhendo qual roupa usar, planejando chegar tarde em casa e ouvindo alguma canção animada do Lenine. Mas hoje a casa cheira bolo e um molho de macarrão cheio de temperos apura no fogo enquanto espia a novela. 

Os planos? Voltar cedo pra casa e descansar o corpo num cobertor bem quentinho. Viva cada uma das fases e suas peculiaridades tão boas.

P.S.: "A vida é 10% do que acontece com você e 90% de como você reage a isso."

DONA



As unhas estavam coloridas com forte vermelho, um daqueles esmaltes cujo nome não faz sentido. Era noite de sexta-feira e, por isso, grande parte dos amigos estava na rua, mas ela resolveu se bastar com a companhia da gata de estimação e de uma rasa taça de vinho; hábito de gente que mora sozinha (julgava a moça).  

A quase balzaquiana era dona do próprio nariz, mas não das saudades.

P.S.: Procuro esquimó para relacionamento sério. Lavo, passo e cozinho. Favor tratar inbox!

terça-feira, 26 de maio de 2015

QUE O MEDO FIQUE NO ARMÁRIO




A noite que antecede o primeiro dia de aula no novo ano é sempre motivadora de um compêndio de sensações. A gente quer chegar com o uniforme impecável, se pergunta quem serão os colegas a conviver conosco diariamente. 

Em geral, o que se faz presente é o frio na barriga porque o que a gente desconhece gera medo. A cada mudança ou recomeço  é assim que nos sentimentos, receosos. É assim com mulher que espera pra dar luz ao primeiro filho, com o idoso que percebe que é a hora de se aposentar, com a família que troca de cidade, com o quarentão que opta pelo divórcio ou com a jovem que deixa a casa dos pais. 

E tanto medo pode parecer coisa de gente insegura, que lá no fundo, nunca foi capaz de arrancar as rodinhas de apoio da bicicleta. Mas vem a vida e nos mostra que não é questão de imaturidade. Minha avó, a mais velha entre doze irmãos, é uma guerreira. No alto dos seus 73 anos ainda cuida de roça, da casa no sítio e, principalmente, do turrão do meu avô. Toda essa experiência de vida não impediu que ela titubeasse quando teve de decidir se faria uma longa viagem para visitar um parente na capital. Eu tiraria de letra porque sou do mundo, mas para ela a novidade assustou, gerou receio e até custou algumas noites em claro. "Quem não sente medo que atire a receita do Cão Coragem". Aquele destemido cachorro dos desenhos animados. 

O medo do desconhecido deve ter suas explicações psicológicas, as quais ainda desconheço, mesmo depois de certa familiaridade com o divã. Mesmo baseada apenas em conhecimentos empíricos, penso que o problema não seja sentir medo, mas sim ser paralisado por ele ou usá-lo como muletas para não ousar, não evoluir, não se desafiar. Para aqueles que  acreditam na existência de outras vidas, não seria tão perigoso superar o medo e seguir, já que, se por esse motivo, você viver errando, vai ter novas chances de corrigir lá na frente. 

Para os que creem que só se vive uma vez , lembrem-se que a vida é curta demais para que sejamos derrotados pelo medo. Encarar o frio na barriga pode ser surpreendente e renovador. Talvez seja a atitude que falta para despertar um modo de vida que nos estimule novos propósitos para acordar todas as manhãs em busca dos nossos sonhos engavetados no armário do medo.

P.S.: "Cada um sabe o que passa e o que amarrota".

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

DE RECOMEÇO EM RECOMEÇO


Eu sei, às vezes dá uma vontade enorme de abrir os olhos e perceber que todas as expiações e provas são apenas parte de um pesadelo que durou uma noite. Mas não, não é assim. A gente tem de ser forte e suportar com garra e fé cada um dos dias que vem pela frente até que tudo se reencaixe. 

E de recomeço em recomeço a gente vai sendo moldado pela vida, mesmo sem querer ou perceber. É feito lagartixa que perde parte de si e depois de certo período se regenera, o membro antigo dá lugar a um novinho e, talvez, ainda melhor. O processo pode até ser dolorido, demorado; mas a oportunidade de se refazer é um benefício admirável dessa nossa vida.

P.S.: "Que o hoje seja hoje. Sem o peso de ontem ou a ansiedade pelo amanhã. Apenas hoje".

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

PAZ NÃO PESA


Como a gente avalia se um ano foi bom? É pelos bolos que não solaram, pelos sorrisos de agradecimento que não faltaram, pelo bem que fizemos àqueles com quem os nossos caminhos cruzaram? 

Seria pelo sucesso profissional, pelo controle emocional ou pela primeira viagem internacional?

Pode-se medir pelos quilos eliminados, pelo vício superado ou pelo imprevisto que foi bem controlado?


É pelo tanto de amigos, pelas sensações de frio na barriga ou pelas vezes que alguém comprou nossa briga?


Na sua balança eu não sei, mas na minha o que mais pesa é cada pedacinho de paz que conquistei.

Feliz 2015, pessoal!

P.S.: Seletividade nas batalhas.