
A noite que antecede o primeiro dia de aula no novo
ano é sempre motivadora de um compêndio de sensações. A gente quer chegar com o
uniforme impecável, se pergunta quem serão os colegas a conviver conosco
diariamente.
Em geral, o que se faz presente é o frio na barriga porque o que a
gente desconhece gera medo. A cada mudança ou recomeço é assim que nos
sentimentos, receosos. É assim com mulher que espera pra dar luz ao primeiro
filho, com o idoso que percebe que é a hora de se aposentar, com a família que
troca de cidade, com o quarentão que opta pelo divórcio ou com a jovem que
deixa a casa dos pais.
E tanto medo pode parecer coisa de gente insegura,
que lá no fundo, nunca foi capaz de arrancar as rodinhas de apoio da bicicleta.
Mas vem a vida e nos mostra que não é questão de imaturidade. Minha avó, a mais
velha entre doze irmãos, é uma guerreira. No alto dos seus 73 anos ainda cuida
de roça, da casa no sítio e, principalmente, do turrão do meu avô. Toda essa
experiência de vida não impediu que ela titubeasse quando teve de decidir se
faria uma longa viagem para visitar um parente na capital. Eu tiraria de letra
porque sou do mundo, mas para ela a novidade assustou, gerou receio e até
custou algumas noites em claro. "Quem não sente medo que atire a receita
do Cão Coragem". Aquele destemido cachorro dos desenhos animados.
O medo
do desconhecido deve ter suas explicações psicológicas, as quais ainda
desconheço, mesmo depois de certa familiaridade com o divã. Mesmo baseada
apenas em conhecimentos empíricos, penso que o problema não seja sentir medo,
mas sim ser paralisado por ele ou usá-lo como muletas para não ousar, não
evoluir, não se desafiar. Para aqueles que acreditam na existência de
outras vidas, não seria tão perigoso superar o medo e seguir, já que, se por
esse motivo, você viver errando, vai ter novas chances de corrigir lá na
frente.
Para os que creem que só se vive uma vez , lembrem-se que a vida é curta
demais para que sejamos derrotados pelo medo. Encarar o frio na barriga pode
ser surpreendente e renovador. Talvez seja a atitude que falta para despertar
um modo de vida que nos estimule novos propósitos para acordar todas as manhãs
em busca dos nossos sonhos engavetados no armário do medo.
P.S.: "Cada um sabe o que passa e o que amarrota".